Este escritor sensível, delicado, apto a descrever as imperceptíveis cambiantes da cor das flores da cerejeira ou da ameixieira, os sons impalpáveis dos sinos dos templos, o erotismo delicado do pescoço da mulher, é um colector de cerimónias fúnebres. Provavelmente influenciado pelo passado. Pai, mãe e irmã, morreram de tuberculose antes de completar os dez anos. Educado pelo avô, que também morre poucos anos depois. Aos quinze anos está só. Nas cinco “Cartas aos meus Pais”, que escreve mais tarde, revisita este cortejo de horrores. Termina sempre as cinco cartas com o mesmo parágrafo: “Durmam em paz, pais defuntos, que não deixastes ao vosso filho nenhum meio de se lembrar de vós”.
A história conta-se assim.
Duas jovens, virgens, estabelecem uma relação superficial com um jovem desempregado chamado Saburo. Na sequência de uma brincadeira juvenil elas são mortas durante o sono por Saburo, aparentemente devido a um encadeamento de factos que deve tudo ao acaso e nada à intenção. Diz o narrador: “Pergunto-me se não poderei considerar este crime como um acto único, sem ligação com a sua vida, que não corresponde á sua vida, aparecido subitamente no espaço, como uma flor solitária sem folhas nem raízes, uma luz imaterial”. Mesmo onde a densidade da vida é mais forte, com um apunhalamento e um estrangulamento sucessivos, Kawabata não consegue deixar de impregnar o acto com a irrealidade e a derisão dum jogo de dados cósmico e flutuante. As próprias identidades são incertas e intermutáveis. Após a incineração, não sabemos se devido a distracção ou desinteresse do narrador e oficiante das exéquias, as cinzas são confundidas. « Eh bien, maintenant, on ne sait plus quelles cendres sont à qui. Elles qui étaient si différentes, les voici devenues exactement pareilles »
Um prefácio do seu discípulo e amigo, Mishima Yukio, aproxima este texto da « Casa das Belas Adormecidas », estranho romance que se encontra publicado em português.
Alberto Costa
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