9.10.14

“A Peregrinação do Rapaz sem Cor” de Haruki Murakami



Resumo: Nos seus dias de adolescente, Tsukuru Tazaki gostava de ir sentar-se nas estações a ver passar os comboios. Agora, com 36 anos feitos, é engenheiro de profissão e projeta estações, mas nunca perdeu o hábito de ver chegar e partir os comboios. Lá está ele na estação central de Shinjuku, ao que dizem «a mais movimentada do mundo», incapaz de despregar os olhos daquele mar selvagem e turbulento «que nenhum profeta, por mais poderoso, seria capaz de dividir em dois». Leva uma existência pacífica, que talvez peque por ser demasiado solitária, para não dizer insípida, a condizer com a ausência de cor que caracteriza o seu nome. A entrada em cena de Sara, com o vestido verde-hortelã e os seus olhos brilhantes de curiosidade, vem mudar muita coisa na vida de Tsukuru. Acima de tudo, traz a lume uma história trágica, que a memória teima em não esquecer. Os quatro amigos de liceu, donos de personalidades diferentes e nomes coloridos, cortaram relações com ele sem lhe dar qualquer explicação. Profundamente ferido nos seus sentimentos, Tsukuru perdeu o gosto pela vida e esteve a um passo da morte. A páginas tantas, lá conseguiu não perder a carruagem. Com "Os Anos de Peregrinação" de Liszt nos ouvidos, regressa à cidade que o viu nascer e atravessa meio mundo, viajando até à Finlândia, em busca da amizade perdida. E de respostas para as perguntas que andam às voltas na sua cabeça e lhe queimam a língua. Será que o rapaz sem cor vai ser capaz de seguir em frente? Arranjará finalmente coragem para declarar de vez o seu amor por Sara? Uma inesquecível viagem pelo universo fascinante deste escritor japonês que chega a milhões de leitores espalhados pelo mundo inteiro. Um romance marcadamente intimista sobre a amizade, o amor e a solidão dos que ainda não encontraram o seu lugar no mundo.

Crítica:
Ontem à noite, a umas cinquenta páginas do fim de “A Peregrinação do Rapaz sem Cor” ou em inglês “Colorless Tsukuru Tazaki and His Years of Pilgrimage” ( dou a versão inglesa porque Murakami gosta sempre mais da tradução para inglês dos seus livros) pensei: vou ouvir "Le mal du pays" de Lizt e tentar mergulhar completamente no universo que o autor quer eu mergulhe. Às vezes os livros trazem certos apontamentos que funcionam como manuais de instrução. Se a música está presente sessenta vezes durante o livro, é porque é suposto eu ir ouvi-la. Mais raro é eu gostar realmente muito que me deem instruções.

 Seja em livros, seja em filmes, seja em qualquer género de ficção que quiserem, é muito irritante que quem os crie seja condescendente ao ponto de dar indicações à audiência, explícitas e claras – não me parecem dar muito crédito ao meu sentido interpretativo. Contudo, não pego muito na música clássica mas sei que Murakami pega sempre em música clássica, faço-lhe a vontade e honestamente sinto que a peça dá corpo à narração em muitos aspetos. 

 Mas é Murakami. Para quem já leu as minhas críticas no passado aos livros do autor sabe que costumo tocar sempre nos aspetos que me desapontam. E continuo a ler (embora não tenha conseguido avançar com o segundo 1Q84, não lhe consegui dar crédito). Mas é uma leitura tão light que fica em poucas horas feita e este livro foi tão falado porque toda a gente estava um pouco ávida por mais uma obra do autor best-selling e eu pensei “claro que tem que estar no bungaku”. A popularidade de Murakami só no Japão é francamente impressionante e de todos os autores apontados para Nobel da Literatura, Murakami seria o único para quem o prémio da condecoração em dinheiro, não fizesse a mínima diferença à sua já larga fortuna. 


 Dito isto, passo a enumerar as coisas das quais eu me costumo queixar em H. Murakami: redundâncias; explicação das explicações; excesso de realidades paralelas sem consequência; excesso de realidades paralelas que recorrem a sonhos e que mais uma vez não têm consequência (funcionava bem em duas ou três obras, máximo!); story arcs que não fecham; sexismo; pormenores sexuais aleatórios (gratuitos?). Aponto isto tudo a este último livro. Acrescento que tocou um conteúdo que me incomodou, que é a falsa acusação de violação, ao estilo “Gone Girl”, banalizando a falsa acusação de violação que é bem menos recorrente e verosímil do que o que possa parecer na nossa ficção de ultimamente. 

 A metáfora das cores e dos nomes, Tsukuru que é o verbo “fazer”, há reflexões interessantes sobre o tema das estações de comboio, sobre as cidades, sobre a mágoa e o passado. Uma sátira interessante à estrutura empresarial japonesa com a personagem de Ao. As referências à música clássica são enquadradas e devo dizer que apesar de tudo o que está escrito anteriormente: ontem à noite, a cinquenta páginas do fim, eu tinha a esperança de vir a gostar muito mais do livro. Eu reescrevia esta história tal como está com um fim que podia ser deixado aberto a interpretações sem perder um sentido, uma orientação. 

Não pode ficar tudo sem consequências, constantemente. Se a personagem principal não se tivesse revelado exatamente igual ao que sempre foi, talvez Tsukuru Tazaki pudesse ter, por fim, a cor pela qual tanto ansiava.

 O livro entra em áreas absolutamente obscuras da psicologia erótica incluindo sonhos com violações, bissexualidade inconsciente e necrofilia mental acidental e considero esta abordagem um dos pontos de interesse do livro, apenas demasiado ornamental.

 É absolutamente caótico entrar pelas histórias de Murakami e acho que é esse caos que nos vicia. Só que não é por baralhar completamente o leitor que um mau livro passa a ser bom.


Sara F. Costa

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