"A Sul da Fronteira, a Oeste do Sol" é um romance invulgar para Haruki Murakami. É mais pequeno do que "Kafka à Beira-mar" ou do que "A Crónica do Pássaro de Corda" e é, devido a uma notável ausência de pormenores surrealistas, um livro muito acessível, comparado com os exemplos que dei. Mais fácil de digerir, mais fácil de interiorizar, talvez seja até mais fácil para leitor relacionar-se com as personagens.
Passado em Tóquio, na sua maioria, é um livro bonito. A maioria da obra de Murakami não é bonita. Nem agradável. É dura, é estranha, é bizarra, é surreal mas não é bonita.
Eu gostei particularmente deste livro por ser extremamente bonito. Mas por detrás da beleza e da acessibilidade deste livro esconde-se um manancial de verdades escondidas e de pequenas pérolas de sabedoria. A única diferença é que, ao passo que noutros livros de Murakami eles às vezes passam ao lado do leitor, devido à aparente loucura do que está a acontecer a cada virar de página, aqui elas estão à vista de todos, escondidos nas reacções das personagens e na fracturada psique de Hajime, uma personagem quebrada, dividida entre dois mundos, ou mais, tal como todos nós.
É fácil identificar-nos com uma personagem como o Hajime, que tem uma vida que aparentemente tem tudo, mas à qual falta algo. É mesmo muito fácil perdermo-nos no mundo dele.
Pousei as mãos no volante e fechei os olhos. Não tinha a sensação de estar dentro do meu próprio corpo; sentia o corpo como um recipiente transitório, temporariamente emprestado. Que seria de mim no dia de amanhã? Queria comprar um cavalo à minha filha o mais cedo possível, antes que muitas coisas desaparecessem, antes que o mundo se estilhaçasse.
É mesmo muito fácil entrarmos no mundo de alguém que aparentemente está bem, aparentemente tem tudo, e que se esforça muito para parecer bem, e para não dar a entender às pessoas que o rodeiam o que se passa na realidade, quando na realidade está assim. Acho que todos tivemos momentos assim na nossa vida. Mas acho que poucos os poderíamos pôr em palavras de forma que fizesse tanto sentido para nós como Murakami os põe aqui, sem nunca nos conhecer ou ter ouvido a nossa história.
Uma história lindíssima do melhor romancista da actualidade. Recomendo vivamente.
Há muitas maneiras de viver. Há muitas maneiras de morrer. Isso, porém, não tem qualquer importância. No fim, fica apenas o deserto. Só o deserto permanece verdadeiramente vivo.
João Zamith
João Zamith
1 comment:
Gosto muito das obras deste escritor e concordo com o que disseste, todos compreendemos a situaçao de ter que disfarçar algo nas nossas vidas. Vou tentar ler alguns livros anteriores do murakami que ainda nao li!
Post a Comment