9.2.10

Kazuo Ishiguro e As Colinas de Nagasaki

Kazuo Ishiguro nasceu em Nagasaki em 1954 mas a sua família mudou-se para Inglaterra quando este tinha apenas seis anos. Licenciou-se em Filosofia na University of Kent e concluiu o mestrado em Escrita Criativa em 1980 na University of East Anglia, na cidade de Norwich. Nomeado pela revista Granta como um dos melhores 20 escritores britânicos da actualidade, a sua nacionalidade pedida pelo próprio em 1982, não nos deve enganar em relação ao vínculo dos seus livros com o cenário japonês ou, pelo menos, à expressividade cultural que lhe é própria. De facto, há no autor uma identidade japonesa indeclinável e é algo que se depreende assim que se começa a ler a sua obra.

Obviamente que o seu posicionamento lhe permite uma consciência mais multicultural, o que só pode ser benéfico na consciência transversal da sua produção. É conhecido por ser um autor de best sellers de qualidade, já que o número de vendas pode reflectir o aspecto comercial mas a qualidade da obra obtém frequentemente reconhecimento tendo o seu expoente máximo na atribuição do importante Man Booker Prize ao livro “The Remains of the Day”.
Parte da temática genérica dos seus livros recria retratos psicológicos individuais e colectivos do Japão moderno, incidindo muitas vezes na memória do período pós-guerra. A particular ligação a Nagasaki constituirá um encadeamento natural a tal abordagem. Por isso Ishiguro é um nome inevitável na listagem dos autores contemporâneos ligados ao Japão. E por onde começar? Bom, o bom senso dir-nos-ia pelo início! Por isso trago para este artigo o primeiro livro escrito pelo autor, “A Pale View of Hills” de 1982. O livro foi editado em Portugal pela Relógio D’Água com o título “As Colinas de Nagasaki”. A edição é já antiga e talvez se possa, portanto, pensar já numa reedição… Fica a ideia!

As Colinas de Nagasaki falam da memória de Etsuko, japonesa a viver em Inglaterra cujo passado num ambiente de guerra deixou muitos legados traumáticos, entre a morte do primeiro marido ao suicídio de um filha. Etsuko começa a contar à filha a sua memória de uma vizinha que conheceu antes de sair do país e é por aí que a narrativa se desenvolve.
A fase inicial de Ishiguro é muito debruçada para as reminiscências, as memórias semi-obscuras, distorcidas e acima de tudo claustrofóbicas. A ideia de que todos os acontecimentos progressivamente moldarão a nossa mente ou que a nossa mente se reflecte sucessivamente nas nossas obsessões presentes e que a noção de insignificância é, no fundo, muito questionável. Há uma grande densidade psicológica sem uma grande densidade lexical. As personagens são apresentadas de uma forma muito pura e factual. Os pensamentos são deduzidos, não verbalizados. Há um ambiente muito relacional japonês, com toda a sua formalidade e superficialidade mas também a sua crueza, a sua sinceridade que para lá do véu de cortesia que pode ter um impacto que a um ocidental pode parecer ligeiramente belígero. Outras temáticas presentes são as do conflito de mentalidades, a revolução e o atrito do conservadorismo que de alguma forma nos é apresentado como empático ainda que não muito racional. O autor usa contextos irónicos para realçar a reflexão sobre o papel da mulher e da mentalidade tradicionalista, o ensino patriótico, a noção de autoridade e a opressão do passado que continua a influenciar o presente, apesar das mudanças políticas. É assim que se constrói esta elegia suave onde o minimalismo da história assume a forma do indizível.

Sara F. Costa
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