Mori Ōgai viveu entre 1862 e 1922, filho de um médico e daimyo (dono de uma terra) da prefeitura de Shimane. Teve a oportunidade de receber uma educação muito completa, incidindo sobretudo no estudo do chinês e dos Clássicos Confucianos e também na área dos estudos germânicos. Em 1874 entra em medicina na Universidade de Tóquio, onde acaba os estudos com alguma precocidade. Envereda depois no corpo médico militar e em 1984 é enviado pelo governo para a Alemanha onde passa dois anos. Este é um dos acontecimentos biográficos com mais impacto na sua vida e que mais marcam a sua obra. É com esta submersão na cultura europeia que o autor se apercebe do abismo cultural entre as duas matrizes civilizacionais – a asiática e a europeia. Apesar de vários relatos autobiográficos descreverem a sua estadia na Europa como um período de alguma lugubridade a nível pessoal, o que é certo é que o contacto com a literatura e o estudo da medicina ocidentais influenciam muito a sua futura postura aquando do regresso ao Japão e é precisamente essa vontade de contribuir para o progresso do seu país fragilizado - pois ainda em recuperação de um período bastante tenebroso como o foi o período Edo – que Mori Ogai se destaca enquanto autor e personalidade histórica de culto.
A sua postura algo subversiva enquanto escritor e reivindicador de algum progressismo político foi por vezes um impedimento para o seu reconhecimento como cirurgião. No entanto, a participação em revistas literárias e o contacto com Natsume Soseki, autor que atravessou conjunturas semelhantes, ajudou a consolidar a corrente naturalista na literatura japonesa. Os acontecimentos depois de 1912, aquando da morte do Imperador Meiji, quando a sua mulher se suicidou assim como o general Nogi Maresuke foram radicalmente traumatizantes para o autor, o que está espelhado em obras como Okitsu Yagoemon no isho (The Last Testament of Okitsu Yagoemon, 1912) ou Sanshō dayū (Sanshō the Steward, 1915). “Gan”, contudo, insere-se num estilo de ficção naturalista, juntamente com outros títulos como Hannichi (Half a Day, 1909) ou Seinen (Youth, 1910) entre outros do mesmo período. No final da sua vida Ogai dedica-se a construir biografias que vieram a ser classificadas como romance histórico. Deixou várias declarações sobre o facto de achar interessante compreender os detalhes da existência de certas personalidades, tentando, possivelmente, encontrar-lhes pontos em comum e elaborar teorias com esses paralelismos.
A sua postura algo subversiva enquanto escritor e reivindicador de algum progressismo político foi por vezes um impedimento para o seu reconhecimento como cirurgião. No entanto, a participação em revistas literárias e o contacto com Natsume Soseki, autor que atravessou conjunturas semelhantes, ajudou a consolidar a corrente naturalista na literatura japonesa. Os acontecimentos depois de 1912, aquando da morte do Imperador Meiji, quando a sua mulher se suicidou assim como o general Nogi Maresuke foram radicalmente traumatizantes para o autor, o que está espelhado em obras como Okitsu Yagoemon no isho (The Last Testament of Okitsu Yagoemon, 1912) ou Sanshō dayū (Sanshō the Steward, 1915). “Gan”, contudo, insere-se num estilo de ficção naturalista, juntamente com outros títulos como Hannichi (Half a Day, 1909) ou Seinen (Youth, 1910) entre outros do mesmo período. No final da sua vida Ogai dedica-se a construir biografias que vieram a ser classificadas como romance histórico. Deixou várias declarações sobre o facto de achar interessante compreender os detalhes da existência de certas personalidades, tentando, possivelmente, encontrar-lhes pontos em comum e elaborar teorias com esses paralelismos.
“Gan” foi escrito em 1911 e é recorrentemente considerado a obra-prima de Ogai. Recai sobre uma temática recorrente do autor, os relacionamentos e as paixões e a forma como estas se articulam dentro de uma determinada circunstância social. No fundo, dá-nos a noção de antagonismo entre o meio, mutável e incontrolável e os sentimentos mesclados com desejo que são humanos e que se padronizam e que são permanentes, independentemente do meio social onde se inserem. Costumamos dizer que o amor “à japonesa” é um amor platónico que não se consuma e que permanece em estado gasoso nos meandros mais íntimos de cada fantasia. O livro de Ogai deixa-nos com esta visão, a sensação do que pode acontecer ou não, das várias hipóteses entregues ao infinito, da sensação de incerteza ou da cedência a um desejo. Um tema relacionado com o passional a par de um retrato social do período Meiji. Aborda o papel da mulher não só civil como psicológico, com alegorias ao comportamento feminino – a sua dedicação a objectos de desejo inalcançáveis, a hesitação passional versus a determinação aquando da decisão. O livro não se alonga muito, é breve e deixa-nos com algumas imagens centrais definidas, uma delas muito Shakespeariana – a noção da mulher à janela e do herói que passa e cria uma atracção entre os desconhecidos. A história é narrada em várias pessoas, não só pelos intervenientes principais – Otama e Okada – como por outras personagens secundárias, sendo uma delas encarnada como o narrador principal, no sentido de ser o autor do livro, mas que na história é apenas o colega de quarto de Okada e não é omnisciente, apenas possui a sua perspectiva de espectador. Esta subdivisão narrativa é óptima para a compreensão do universo interior de cada personagem e para perceber em que pontos os mundos convergem sem o saberem.
“Gan”雁, traduz-se por “Ganso” mas a tradução oficial internacional adoptou o nome “The Wild Geese” , “O Ganso Selvagem”. O título é muito simbólico e interessante, pois só é percepcionado aquando da conclusão da leitura. Em Portugal a obra ainda não foi editada mas para quem ler inglês a Tuttle Classics of Japanese Literature tem uma selecção de papersbacks que está bastante interessante. Ficamos a aguardar por cá traduções.
Sara F. Costa
5 comments:
Já existe uma tradução em português, feita no Brasil, que deve ser lançada pela editora Tessitura até o final de abril.
Lembro que a obra de Ogai, Sansho dayu, deu origem ao filme do mesmo nome de Mizoguchi, uma das maiores obras-primas de sempre do cinema.
Samara, então está mesmo para sair?
Alberto, sim, uma excelente adaptação!
Já saiu, em edição bilingüe. Só tem que pressionar a editora para aparecer nas livrarias...:(
Já saiu, em edição bilingüe. Só tem que pressionar a editora para aparecer nas livrarias...:(
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