7.3.10

Gan雁- O Ganso Selvagem de Mori Ōgai

Mori Ōgai viveu entre 1862 e 1922, filho de um médico e daimyo (dono de uma terra) da prefeitura de Shimane. Teve a oportunidade de receber uma educação muito completa, incidindo sobretudo no estudo do chinês e dos Clássicos Confucianos e também na área dos estudos germânicos. Em 1874 entra em medicina na Universidade de Tóquio, onde acaba os estudos com alguma precocidade. Envereda depois no corpo médico militar e em 1984 é enviado pelo governo para a Alemanha onde passa dois anos. Este é um dos acontecimentos biográficos com mais impacto na sua vida e que mais marcam a sua obra. É com esta submersão na cultura europeia que o autor se apercebe do abismo cultural entre as duas matrizes civilizacionais – a asiática e a europeia. Apesar de vários relatos autobiográficos descreverem a sua estadia na Europa como um período de alguma lugubridade a nível pessoal, o que é certo é que o contacto com a literatura e o estudo da medicina ocidentais influenciam muito a sua futura postura aquando do regresso ao Japão e é precisamente essa vontade de contribuir para o progresso do seu país fragilizado - pois ainda em recuperação de um período bastante tenebroso como o foi o período Edo – que Mori Ogai se destaca enquanto autor e personalidade histórica de culto.

A sua postura algo subversiva enquanto escritor e reivindicador de algum progressismo político foi por vezes um impedimento para o seu reconhecimento como cirurgião. No entanto, a participação em revistas literárias e o contacto com Natsume Soseki, autor que atravessou conjunturas semelhantes, ajudou a consolidar a corrente naturalista na literatura japonesa. Os acontecimentos depois de 1912, aquando da morte do Imperador Meiji, quando a sua mulher se suicidou assim como o general Nogi Maresuke foram radicalmente traumatizantes para o autor, o que está espelhado em obras como Okitsu Yagoemon no isho (The Last Testament of Okitsu Yagoemon, 1912) ou Sanshō dayū (Sanshō the Steward, 1915). “Gan”, contudo, insere-se num estilo de ficção naturalista, juntamente com outros títulos como Hannichi (Half a Day, 1909) ou Seinen (Youth, 1910) entre outros do mesmo período. No final da sua vida Ogai dedica-se a construir biografias que vieram a ser classificadas como romance histórico. Deixou várias declarações sobre o facto de achar interessante compreender os detalhes da existência de certas personalidades, tentando, possivelmente, encontrar-lhes pontos em comum e elaborar teorias com esses paralelismos.



“Gan” foi escrito em 1911 e é recorrentemente considerado a obra-prima de Ogai. Recai sobre uma temática recorrente do autor, os relacionamentos e as paixões e a forma como estas se articulam dentro de uma determinada circunstância social. No fundo, dá-nos a noção de antagonismo entre o meio, mutável e incontrolável e os sentimentos mesclados com desejo que são humanos e que se padronizam e que são permanentes, independentemente do meio social onde se inserem. Costumamos dizer que o amor “à japonesa” é um amor platónico que não se consuma e que permanece em estado gasoso nos meandros mais íntimos de cada fantasia. O livro de Ogai deixa-nos com esta visão, a sensação do que pode acontecer ou não, das várias hipóteses entregues ao infinito, da sensação de incerteza ou da cedência a um desejo. Um tema relacionado com o passional a par de um retrato social do período Meiji. Aborda o papel da mulher não só civil como psicológico, com alegorias ao comportamento feminino – a sua dedicação a objectos de desejo inalcançáveis, a hesitação passional versus a determinação aquando da decisão. O livro não se alonga muito, é breve e deixa-nos com algumas imagens centrais definidas, uma delas muito Shakespeariana – a noção da mulher à janela e do herói que passa e cria uma atracção entre os desconhecidos. A história é narrada em várias pessoas, não só pelos intervenientes principais – Otama e Okada – como por outras personagens secundárias, sendo uma delas encarnada como o narrador principal, no sentido de ser o autor do livro, mas que na história é apenas o colega de quarto de Okada e não é omnisciente, apenas possui a sua perspectiva de espectador. Esta subdivisão narrativa é óptima para a compreensão do universo interior de cada personagem e para perceber em que pontos os mundos convergem sem o saberem.
“Gan”雁, traduz-se por “Ganso” mas a tradução oficial internacional adoptou o nome “The Wild Geese” , “O Ganso Selvagem”. O título é muito simbólico e interessante, pois só é percepcionado aquando da conclusão da leitura. Em Portugal a obra ainda não foi editada mas para quem ler inglês a Tuttle Classics of Japanese Literature tem uma selecção de papersbacks que está bastante interessante. Ficamos a aguardar por cá traduções. 

Sara F. Costa

5 comments:

Samara L. said...

Já existe uma tradução em português, feita no Brasil, que deve ser lançada pela editora Tessitura até o final de abril.

Alberto Costa said...

Lembro que a obra de Ogai, Sansho dayu, deu origem ao filme do mesmo nome de Mizoguchi, uma das maiores obras-primas de sempre do cinema.

Sara F. Costa said...

Samara, então está mesmo para sair?
Alberto, sim, uma excelente adaptação!

Samara L. said...

Já saiu, em edição bilingüe. Só tem que pressionar a editora para aparecer nas livrarias...:(

Samara L. said...

Já saiu, em edição bilingüe. Só tem que pressionar a editora para aparecer nas livrarias...:(