Yukio Mishima, The Temple of the Golden Pavillion
A semana passada passaram 40 anos sobre a morte de Yukio Mishima. À excepção de uma livraria em Tóquio com uma boa secção em inglês (a Maruzen de Nihombashi), nenhuma outra assinalou de forma significativa o acontecimento na capital. De igual modo, a generalidade dos agentes culturais ficou mais ou menos indiferente e a imprensa também (na imprensa japonesa em japonês não houve qualquer referência e na imprensa japonesa em inglês só o Japan Times trouxe uma notícia justamente sublinhando o silêncio). E, no entanto, Mishima é um dos mais importantes escritores japoneses do século XX, amplamente traduzido (nomeadamente em Portugal) e por diversas vezes potencial vencedor ao Nobel.
Porquê este silêncio?
É conclusão apressada sugerir que tal se deve ao facto de Mishima se ter suicidado. Não faz sentido que assim seja, se pensarmos que os japoneses são um povo que convive com o suicídio, como as estatísticas demonstram, colocando este país no 5º lugar mundial. Para mais, um outro escritor igualmente maior, Yasunari Kawabata, (esse sim, vencedor do Nobel em 1968), também se suicidou e isso não impede que seja amplamente comentado, estudado e celebrado.
As razões radicam portanto noutros factores: como é sabido, Mishima foi o ideólogo, criador e impulsionador de um movimento político de direita radical. Acentuadamente nacionalista, Mishima preconizava o regresso à pureza de um Japão imperial, assente no bushido, o código de honra dos samurais. Criou, para difundir as suas ideias, o grupo tatenokai, que não era apenas um “clube” político, era uma espécie de exército, quase milícia privada que se assumia como reserva moral de uma nação que Mishima receava decadente. Quando, no rescaldo do 2º pós-guerra, o imperador decretou publicamente que ele próprio não tinha natureza divina, Mishima indignou-se porque via nesse lado “teológico” da família imperial uma espécie de garantia da grandeza e da pureza nipónicas. Perante um Japão derrotado na guerra nas circunstâncias que se conhece, Mishima agitou a bandeira de um nacionalismo fervoroso e partidário da opção nuclear. Como é próprio destas abordagens extremistas de direita, Mishima alimentou uma visão messiânica de si próprio, como o “chefe”, o herói apolíneo (na fase final da vida, desenvolveu uma obsessão escultórica do corpo). No dia em que espectacularmente se suicidou, rodeado de uma encenação que tinha como objectivo imortalizar a imagem de um super-homem de inspiração nietzchiana, Mishima poderá ter alimentado a quimera – que só não é risível porque estávamos já perante um homem à deriva – de um golpe de Estado que o alçasse ao leme da nação, mas sobretudo que alçasse a nação à superação de si própria.
Depois, há dois aspectos da vida pessoal de Mishima que o arrumam, aos olhos do Japão contemporâneo, na prateleira dos escritores malditos (faz lembrar Genet): o facto de ter sido homossexual/ bissexual, num país que, apesar de ser herdeiro de tradições puríssimas nesse domínio (veja-se "Contes d'amour des Samourais", de Saikadou Ebara, uma colectânea de contos do século XII, onde erotismo e beleza insistentemente se confundem), consolidou hoje uma postura que atesta algum incómodo sobre o assunto (uma herança do período Tokugawa?). Por outro lado, revelam alguns biógrafos, Mishima terá tido uma relação amorosa prolongada com uma mulher com quem não chegou a casar, mas que se tornou depois uma figura de proa na sociedade japonesa, fortemente hierarquizada e respeitadora das instituições.
Talvez estes sejam alguns dos factores que ajudam a explicar por que razão Yukio Mishima é um escritor que parece ser mais apreciado fora de portas que no Japão. Os fantasmas que ainda perduram não retiram brilho à limpidez da escrita mas talvez o seu país natal precise de tempo para separar as acções do homem das palavras do escritor. As últimas não apagam as primeiras mas nem por isso têm menos brilho.
Duarte Bué Alves
Tóquio, 30 de Novembro de 2010
www.regresso-a-itaca.blogspot.com
3 comments:
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Você pode até ter lido a obra, mas do período histórico que refere, pouco sabe, de política ainda menos, e de Nietzsche: zero.
Klatuu, não se enganou no post?
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