Depois de ter escrito seis romances, Ishiguro traz-nos um livro de contos. Dá-lhe o título de ”Nocturnes” que no dicionário de Oxford se define por “composition of a dreamy character, expressive of sentiment appropriate to evening or night”. Este título parece estar intimamente ligado à atmosfera das histórias que vemos desfilarem à nossa frente. Uso o termo “desfilar” não apenas como recurso estilístico que pretende descrever um livro de contos com vocabulário alternativo, mas sim para tentar transpor uma noção de fluidez e uma noção de entretenimento, naturalmente correlacionadas. Isto porque a escrita nos coloca noutro suporte, devido ao seu efeito cinematográfico. Cada conto larga uma fragrância nocturna, um misto de sonho e melancolia. As cinco histórias falam de homens que se dedicam à música e que perseguem o sonho do reconhecimento e do estrelato, ainda que na maior parte das situações esse estrelato pareça desfigurado e ridículo, mas alguém tem que se atrever, certo? Mas todas se debruçam sobre anónimos, perdidos no seu percurso de vida dedicado a algo que, em certos momentos, admitem não saber muito bem o que é. O editor deste livro afirmou que os contos se tocam num certo momento. Pessoalmente, só consigo associar directamente o primeiro conto “Crooner” com o quarto “Nocturne”, onde a brevemente ex-mulher de um músico cuja carreira está em decadência se cruza com um aspirante a músico de sucesso num hotel onde ambos recuperam de uma operação plástica.
O livro que aparentemente se debruça para a questão da arte, acaba por se focalizar na melancolia que dela advém aquando da ausência de reconhecimento, mais do que aquilo que se focaliza numa busca pelo primor na arte. A frivolidade, a manipulação ignara da fama. Apesar de todos os protagonistas serem músicos, o que realmente está em causa em todas as histórias é a busca pela fama. No fim, é essa a moral que persiste. Isto porque, apesar de todos os protagonistas serem músicos, também passamos os olhos pela vida de personagens femininas em todas as histórias. Personagens essas que, apesar de não serem apresentadas como artistas, são apresentadas como ambiciosas perseguidoras da notoriedade e da riqueza, sendo o conto de abertura o mais exemplificativo disso quando conta a história de Lindsay e a forma como trabalhou no snack-bar perto da auto-estrada para Hollywood, onde todas as aspirantes a sedutoras de estrelas se reúnem e trocam dicas. O amor é retratado como um factor secundário, acessório, que pode ou não surgir mas que tem que obedecer necessariamente ao curso natural da busca pela fama, busca essa que produz resultados universalmente inegáveis e universalmente exaltados. O sonho do artista e o sonho da fama parecem duas coisas sobrepostas e o artista nunca será artista enquanto não estiver suficientemente exposto. No final de cada conto, toda essa busca e toda essa luta, tudo isso parece absolutamente justificável. Então porque é que ao acabar o livro, é este sentimento baço de melancolia que nos vagueia na memória da sua leitura?
Sara F. Costa
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