Jake Adelstein é o Gaijin que muitos de nós gostariam de ser.
O geek ocidental que vai para a Sophia University estudar literatura e que
acaba por dominar a língua japonesa de tal forma que é convidado a trabalhar
num dos mais emblemáticos jornais nacionais do Japão, o Yomiuri Shinbun. Todos
sabemos que ler jornais é o último bastião do conhecimento da língua japonesa e
o Jake não se limita a ler, ele próprio redige os artigos, vénia lhe seja
feita. A particularidade da história de vida deste judeu americano é que ele acaba
por cobrir todo o departamento de jornalismo criminal e entrar em contacto
visceral com o submundo tokyohita, tratando por tu personagens do meio mediático
Yakuza como, por exemplo, Tadamasa Goto.
Nesta jornada pelo submundo, Jake descreve-nos a sociedade
que idolatra a sua máfia através de banda desenhada e de revistas cor-de-rosa como
se de anti-heróis ficcionais se tratassem. Esta sinistra convivência leva-o a
compreender que no início deste século o crime organizado no Japão se
sofisticou. Onde antes só se encontrava tráfico de droga e de prostitutas, hoje
encontram-se as empresas de Loan Sharking. Os Yakuza são os maiores detentores e
maiores vendedores de produto imobiliário no Japão. Estando presentes em todos
os sectores da atividade económica, estes grupos têm representação política através
do principal partido do parlamento japonês, o LDP (Liberation Democratic Party).
Sabe-se que um ex-primeiro-ministro era membro do mais poderoso grupo de Yakuza do
Japão, os Yamaguchi-gumi. Sabe-se também que um antigo Ministro da Justiça era
membro do gang Inagawa-kai, cujos escritórios se encontram todos visíveis em frente
ao Ritz-Carlton. E quando um ministro da justiça é ele próprio um mafioso,
podemos imaginar como anda o estado de lei japonês no que diz respeito ao
fenómeno do crime organizado.
Viver por dentro o universo underground japonês teria que
ficar registado nas suas memórias e é compreensível que Jake se tenha dedicado
a relatar os acontecimentos mais emocionantes que atravessou enquanto
jornalista do departamento criminal do Yomiuri. O seu ritual noturno passado a
vaguear pelas ruas de Shinjuku e de Roppongi são em Tokyo Vice janelas de uma curiosidade sádica e lasciva por onde
todos queremos espreitar:
“As far as entertainment districts went, in 1999 nothing beat Kabukicho
for pure sleaze. Drugs, prostitution, sexual slavery, rip-off bars, dating
clubs, massage parlors, S-and-M parlors, pornography shops and porn producers,
high-dollar hostess clubs, low-dollar blow job salons, more than a hundred
different yakuza factions, the Chinese mafia, gay prostitute bars, sex clubs,
female junior high school students’ soiled uniforms/panties resale shops, and a
population of workers more ethnically diverse than anywhere else in Japan. It
was like a foreign country in the middle of Tokyo.” (pág. 160)
Quando o americano decide meter o
nariz nas totalmente legais criminalidades yakuza recebe rapidamente as
boas-vindas: “Either erase the story, or
we’ll erase you. And maybe your family. But
we’ll do them first, so you learn your lesson before you die” lê-se no prelúdio
do livro.
Foi um amigo que me sugeriu este livro quando estava a tirar
o seu doutoramento e a escrever uma tese sobre crime organizado na China e no
Japão. É sem dúvida um excelente manual de apresentação ao submundo japonês da
mesma forma que é um excelente manual de introdução ao jornalismo no Japão, aos
seus mecanismos, assim como à forma como os japoneses ‘trabalham’ – tudo aquilo
que sabemos desde organização vertical à existência da palavra Karōshi (過労死) que se pode traduzir por ‘morrer
por excesso de trabalho’.
Jake Adelstein não se assume como escritor mas este livro tem
momentos romanescos, desde descrições das suas aventuras sexuais às reflexões
sobre a mais solitária sociedade do mundo:
“You can look at Kabukicho as an
example of the sociopathology of Japanese life. Host and hostess clubs are
probably the most misunderstood aspects of Japan’s adult entertainment
industry. They’re not about sex, they’re about the illusion of intimacy (…)
intimacy is a commodity in Japan.”. (pág. 181)
Tokyo Vice é um livro editado pela Constable & Robinson
Ltd em 2010. Em 2013 o autor refere que:
"The book is translated into Japanese but no publisher will touch it. It
steps on too many toes.”
A tradução para português também ainda não existe.
Jake Adelstein é de momento um repórter no Departamento de
Estado Norte-americano onde investiga o tráfico humano no Japão.
Tokyo Vice está neste momento a ser adaptado para cinema com Daniel Radcliffe no papel de Jake.
Sara F. Costa
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