2.1.18

Extinção de Kazuaki Takano


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A quem serve a Guerra?

Explicar a Guerra é uma das tarefas mais complexas às quais o ser humano se pode dedicar. Todas as implicações relativas ao jogo de poder quer a nível nacional e internacional, às relações externas, à disputa de soberania, à autodeterminação dos povos, à história e geografia, à economia, aos sistemas políticos vigentes, à sociologia, à psicologia social e à ciência compõe um corpo de análise de tal forma intrincado que torna a realidade subjetiva de acordo com o enquadramento conceptual pelo qual analisamos o nosso objeto.
            Um dos aspetos que me atraiu em “Extinção” foi precisamente a vontade de explicar/analisar conflitualidades muitas vezes deixadas à margem da história tendencialmente etnocêntrica com a qual temos normalmente contacto.  
            A narrativa decorre a partir de três locais, a Casa Branca em Washington, a República Democrática do Congo e o Japão. A parte mais fulcral da narrativa passa-se no Congo e nas conflitualidades no local.
            Se é verdade que a literatura não se pode sempre debruçar sobre os grandes temas, é também verdade que existem poucos relatos que falem de problemáticas humanas desta dimensão e é de louvar a forma como o livro nos apresenta uma visão bastante extensa sobre um conflito pouco mediatizado.
“O Genocídio que acontece em África tem menos cobertura do que quando sete gorilas são abatidos” ironiza o autor na página 55.




A Guerra Mundial Africana


A raiz do problema do Congo vem dos tempos coloniais. Quando os belgas controlavam o país puseram as duas principais tribos, os tutsis e os hútus, que até então tinham vivido em paz, uma contra a outra. Arbitrariamente deram um tratamento preferencial aos primeiros, o que provocou ressentimento da parte dos segundos. Este ódio tribal aumentou até eclodir no genocídio do Ruanda. O avião do presidente hútu foi abatido, o que fez com que os hútus começassem a dizimar violentamente os tutsis.
Surgiram rapidamente bandos assassinos, incentivados não só pelo ódio tribal, mas também pelo medo de serem mortos se não participassem na matança, mesmo que fossem hútus, e pelo boato falso de que todos os que eliminassem um tutsi ficariam com as suas terras. A chacina tornou-se feroz, com as vítimas a pagarem aos atacantes para lhes dispararem na cabeça em vez de os cortarem com facas rombas e os deixarem a sangrar até à morte. Neste caos, muitos hútus foram tomados por tutsis e dizimados.
Milhares de vulgares cidadãos pegaram em machados e cacetes e começaram a assassinar os vizinhos. Atacaram mulheres e crianças para aniquilarem os tutsis para sempre. O Ruanda, aliado ao Uganda, também com um governo chefiado por tutsis quis derrotar a ditadura do Congo. Apoiaram guerrilhas antigovernamentais no Leste do País, o que deu azo a uma insurgência rebelde. Assim depuseram o ditador e estabeleceram um novo regime. Contudo, o presidente traiu os apoiantes tutsis. Obviamente que isso perturbou o Ruanda que, concertado com o Uganda e o Burundi, o atacou, numa tentativa de o derrubar. O novo governo alia-se assim ao Chade e a outros países vizinhos.
Este conflito conhecido por Grande Guerra de África, é também conhecido como A Guerra Mundial Africana devido aos mais de dez países que estiveram envolvidos numa tentativa clara de controlar os recursos do subsolo congolês: diamantes, ouro, petróleo e metais raros. Entre os países envolvidos estiveram o Burundi o Uganda, além de milícias como a UNITA, em apoio do Ruanda, enquanto Angola, Chade, Zimbabwe e Namíbia apoiavam a República Democrática do Congo. Entretanto, o Ruanda exporta mais minério do que o que extrai dentro das suas fronteiras e os países desenvolvidos compram-no, embora sabendo que é roubado. Os Estados Unidos e a Rússia apoiam o governo do Congo, enquanto por trás, subsidiam também o Ruanda e o Uganda, jogando com os dois lados para terem a certeza de que, vença quem vencer, protegem os seus interesses nos recursos minerais do Congo.




A Extinção - breve resumo


Este é o enquadramento sintetizado do conflito. O livro não se detém em explicações históricas para as motivações da guerra no Congo. Pelo contrário, o autor interessa-se pela dimensão psicológica dos líderes e decisores políticos. Vai tentar analisar a psicologia do Presidente Burns – o Presidente fictício dos Estados Unidos. Esse é um ponto de vista que não me fascina muito. É mais verosímil analisar uma guerra com base em fatores geopolíticos do que no pensamento individual de um líder.
 Mas, enfim, a obra decide ir por aí para nos apresentar uma tribo que vive no leste do congo e o seu super-humano. Uma criança de três anos nascida de pai pigmeu e que representa uma alteração de cromossoma que faz com que possua capacidades intelectuais infinitamente superiores às dos humanos. Ao longo das 600 páginas vamos assistindo à perseguição que os Estados Unidos fazem à criança super-humana, uma vez que a sua capacidade matemática lhe permite decompor números primos e aceder aos códigos de segurança nacional do sistema computacional da NSA, acedendo a todos os comandos ultrassecretos.
Para levar a cabo as negociações com os Estados Unidos, a criança super-humana apropria-se em primeiro lugar de um medicamento capaz de curar a esclerose pulmonar. A forma prática como a criança se coloca em negociações com os Estados Unidos é através de um professor investigador de antropologia que a descobriu e a tem protegido. Esse professor fica a saber dos planos da Casa Branca e dos quatro mercenários: Yeager, Mick, Meyers e Garret que vão conduzir uma operação no terreno de forma a eliminar a tribo – pelo perigo de ser dela que descende a evolução do ser humano – da criança em si e do antropólogo que está a tomar conta da criança. A criação do medicamento relaciona-se com a doença do filho do chefe da operação, Yeager, através do qual grande parte da história é relatada. Yeager vai ser levado a ignorar os objetivos da operação uma vez que se apercebe daquilo que ela é, a tentativa de exterminação de uma raça humana desenvolvida. Simultaneamente, o medicamento que a criança super-humana produz é precisamente aquele que iria salvar o filho de Yeager da morte, pelo que é essa a chantagem utilizada pelo super-humano.
Durante os relatos de sobrevivência na selva e nos momentos de guerra, ficamos a conhecer um pouco os mercenários. Um deles é um duplo agente que tem por objetivo proteger os pigmeus. O japonês é um indivíduo solitário e sanguinário.



A minha opinião


Devo dizer que tudo neste livro é descrito ao pormenor do ponto de vista do conhecimento técnico sobre os vários assuntos que vão surgindo. Por vezes até de uma forma excessiva. Por exemplo, sabemos quais são os nomes de código dos mercenários no início do livro, mas eles nunca mais vão ser utilizados. Há uma série de informação técnica, por exemplo, na descrição da criação farmacológica do medicamento nos seus termos químicos que é levada à exaustão. Talvez de interesse para um estudante de farmacologia, mas que só torna o livro pesado em termos de informações e factos para o leitor leigo na matéria. Um livro bastante difícil de resumir na sua sequência de acontecimentos, pelo que não é o meu objetivo explicar toda a teia narrativa da obra porque isso seria a obra em si. É um tipo de ficção baseado na sua precisão intelectual, mas com pouca ênfase na dimensão psicológica das personagens.
A descrição da guerra e das matanças é detalhada e macabra, são os momentos mais altos deste livro. A forma como o super-humano é por vezes, “todo poderoso” acaba por ser um pouco forçada.
É um thriller que nos faz pensar de uma forma realista na possibilidade da extinção da raça humana e que explora o cenário do aparecimento de uma evolução do homem. Essa evolução colocaria na prática vários problemas à forma como os sistemas de segurança nacionais militares se encontram concebidos e organizados. Se bem que o livro tenta romantizar uma forma de inteligência superior que não iria ter os problemas de ética e moral do homem atual, torna essa raça superior igualmente bélica e predisposta para a guerra. 

Pouco sabemos, na realidade, sobre formas de evolução da atual espécie humana, será que se encontra um super-homem protegido por cientistas no Japão? Parece que este pressuposto foi um grande sucesso junto dos leitores japoneses, já que o livro se tornou num best-seller. 

Sara F. Costa

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