A quem serve a Guerra?
Explicar a
Guerra é uma das tarefas mais complexas às quais o ser humano se pode dedicar. Todas
as implicações relativas ao jogo de poder quer a nível nacional e internacional,
às relações externas, à disputa de soberania, à autodeterminação dos povos, à
história e geografia, à economia, aos sistemas políticos vigentes, à
sociologia, à psicologia social e à ciência compõe um corpo de análise de tal
forma intrincado que torna a realidade subjetiva de acordo com o enquadramento
conceptual pelo qual analisamos o nosso objeto.
Um
dos aspetos que me atraiu em “Extinção” foi precisamente a vontade de explicar/analisar
conflitualidades muitas vezes deixadas à margem da história tendencialmente etnocêntrica
com a qual temos normalmente contacto.
A
narrativa decorre a partir de três locais, a Casa Branca em Washington, a República
Democrática do Congo e o Japão. A parte mais fulcral da narrativa passa-se no
Congo e nas conflitualidades no local.
Se
é verdade que a literatura não se pode sempre debruçar sobre os grandes temas, é
também verdade que existem poucos relatos que falem de problemáticas humanas
desta dimensão e é de louvar a forma como o livro nos apresenta uma visão
bastante extensa sobre um conflito pouco mediatizado.
“O
Genocídio que acontece em África tem menos cobertura do que quando sete gorilas
são abatidos” ironiza o autor na página 55.
A Guerra Mundial Africana
A Guerra Mundial Africana
A raiz do problema do Congo vem dos tempos coloniais. Quando os belgas controlavam o país puseram as duas principais tribos, os tutsis e os hútus, que até então tinham vivido em paz, uma contra a outra. Arbitrariamente deram um tratamento preferencial aos primeiros, o que provocou ressentimento da parte dos segundos. Este ódio tribal aumentou até eclodir no genocídio do Ruanda. O avião do presidente hútu foi abatido, o que fez com que os hútus começassem a dizimar violentamente os tutsis.
Surgiram
rapidamente bandos assassinos, incentivados não só pelo ódio tribal, mas também
pelo medo de serem mortos se não participassem na matança, mesmo que fossem
hútus, e pelo boato falso de que todos os que eliminassem um tutsi ficariam com
as suas terras. A chacina tornou-se feroz, com as vítimas a pagarem aos
atacantes para lhes dispararem na cabeça em vez de os cortarem com facas rombas
e os deixarem a sangrar até à morte. Neste caos, muitos hútus foram tomados por
tutsis e dizimados.
Milhares de
vulgares cidadãos pegaram em machados e cacetes e começaram a assassinar os
vizinhos. Atacaram mulheres e crianças para aniquilarem os tutsis para sempre. O
Ruanda, aliado ao Uganda, também com um governo chefiado por tutsis quis
derrotar a ditadura do Congo. Apoiaram guerrilhas antigovernamentais no Leste
do País, o que deu azo a uma insurgência rebelde. Assim depuseram o ditador e
estabeleceram um novo regime. Contudo, o presidente traiu os apoiantes tutsis.
Obviamente que isso perturbou o Ruanda que, concertado com o Uganda e o Burundi,
o atacou, numa tentativa de o derrubar. O novo governo alia-se assim ao Chade e
a outros países vizinhos.
Este
conflito conhecido por Grande Guerra de África, é também conhecido como A Guerra
Mundial Africana devido aos mais de dez países que estiveram envolvidos numa
tentativa clara de controlar os recursos do subsolo congolês: diamantes, ouro,
petróleo e metais raros. Entre os países envolvidos estiveram o Burundi o
Uganda, além de milícias como a UNITA, em apoio do Ruanda, enquanto Angola,
Chade, Zimbabwe e Namíbia apoiavam a República Democrática do Congo. Entretanto,
o Ruanda exporta mais minério do que o que extrai dentro das suas fronteiras e
os países desenvolvidos compram-no, embora sabendo que é roubado. Os Estados
Unidos e a Rússia apoiam o governo do Congo, enquanto por trás, subsidiam
também o Ruanda e o Uganda, jogando com os dois lados para terem a certeza de
que, vença quem vencer, protegem os seus interesses nos recursos minerais do Congo.
A Extinção - breve resumo
A Extinção - breve resumo
Este é o enquadramento sintetizado
do conflito. O livro não se detém em explicações históricas para as motivações
da guerra no Congo. Pelo contrário, o autor interessa-se pela dimensão psicológica
dos líderes e decisores políticos. Vai tentar analisar a psicologia do Presidente
Burns – o Presidente fictício dos Estados Unidos. Esse é um ponto de vista que
não me fascina muito. É mais verosímil analisar uma guerra com base em fatores geopolíticos
do que no pensamento individual de um líder.
Mas, enfim, a obra decide ir por aí para nos
apresentar uma tribo que vive no leste do congo e o seu super-humano. Uma
criança de três anos nascida de pai pigmeu e que representa uma alteração de cromossoma
que faz com que possua capacidades intelectuais infinitamente superiores às dos
humanos. Ao longo das 600 páginas vamos assistindo à perseguição que os Estados
Unidos fazem à criança super-humana, uma vez que a sua capacidade matemática
lhe permite decompor números primos e aceder aos códigos de segurança nacional
do sistema computacional da NSA, acedendo a todos os comandos ultrassecretos.
Para levar
a cabo as negociações com os Estados Unidos, a criança super-humana apropria-se
em primeiro lugar de um medicamento capaz de curar a esclerose pulmonar. A
forma prática como a criança se coloca em negociações com os Estados Unidos é
através de um professor investigador de antropologia que a descobriu e a tem
protegido. Esse professor fica a saber dos planos da Casa Branca e dos quatro
mercenários: Yeager, Mick, Meyers e Garret que vão conduzir uma operação no
terreno de forma a eliminar a tribo – pelo perigo de ser dela que descende a
evolução do ser humano – da criança em si e do antropólogo que está a tomar
conta da criança. A criação do medicamento relaciona-se com a doença do filho
do chefe da operação, Yeager, através do qual grande parte da história é
relatada. Yeager vai ser levado a ignorar os objetivos da operação uma vez que
se apercebe daquilo que ela é, a tentativa de exterminação de uma raça humana desenvolvida.
Simultaneamente, o medicamento que a criança super-humana produz é precisamente
aquele que iria salvar o filho de Yeager da morte, pelo que é essa a chantagem
utilizada pelo super-humano.
Durante os
relatos de sobrevivência na selva e nos momentos de guerra, ficamos a conhecer
um pouco os mercenários. Um deles é um duplo agente que tem por objetivo proteger
os pigmeus. O japonês é um indivíduo solitário e sanguinário.
A minha opinião
Devo dizer que tudo neste livro é descrito ao pormenor do ponto de vista do conhecimento técnico sobre os vários assuntos que vão surgindo. Por vezes até de uma forma excessiva. Por exemplo, sabemos quais são os nomes de código dos mercenários no início do livro, mas eles nunca mais vão ser utilizados. Há uma série de informação técnica, por exemplo, na descrição da criação farmacológica do medicamento nos seus termos químicos que é levada à exaustão. Talvez de interesse para um estudante de farmacologia, mas que só torna o livro pesado em termos de informações e factos para o leitor leigo na matéria. Um livro bastante difícil de resumir na sua sequência de acontecimentos, pelo que não é o meu objetivo explicar toda a teia narrativa da obra porque isso seria a obra em si. É um tipo de ficção baseado na sua precisão intelectual, mas com pouca ênfase na dimensão psicológica das personagens.
A descrição
da guerra e das matanças é detalhada e macabra, são os momentos mais altos
deste livro. A forma como o super-humano é por vezes, “todo poderoso” acaba por
ser um pouco forçada.
É um thriller
que nos faz pensar de uma forma realista na possibilidade da extinção da raça
humana e que explora o cenário do aparecimento de uma evolução do homem. Essa
evolução colocaria na prática vários problemas à forma como os sistemas de
segurança nacionais militares se encontram concebidos e organizados. Se bem que
o livro tenta romantizar uma forma de inteligência superior que não iria ter os
problemas de ética e moral do homem atual, torna essa raça superior igualmente
bélica e predisposta para a guerra.
Pouco sabemos, na realidade, sobre formas de evolução da atual espécie humana, será que se encontra um super-homem protegido por cientistas no Japão? Parece que este pressuposto foi um grande sucesso junto dos leitores japoneses, já que o livro se tornou num best-seller.
Sara F. Costa
Pouco sabemos, na realidade, sobre formas de evolução da atual espécie humana, será que se encontra um super-homem protegido por cientistas no Japão? Parece que este pressuposto foi um grande sucesso junto dos leitores japoneses, já que o livro se tornou num best-seller.
Sara F. Costa
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