20.2.10

Murakami Haruki (1949-)

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Haruki Murakami, Sputnik meu Amor, Editorial Notícias, 2005



Nascido em Kobe, fez extensos estudos sobre a cultura ocidental, nomeadamente sobre a tragédia grega. Depois de uma experiência com um clube de jazz decidiu consagrar-se à escrita. Tem vivido em vários países ocidentais. Influenciado pelos escritores americanos mais recentes, de que foi tradutor, nomadamente Raymond Carver, com uma linguagem simples e fluida aplica princípios minimalistas à narrativa. Murakami é um escritor cosmopolita. Quase todas a suas referências estão fora do Japão, na América mais precisamente, com acumulação de pormenores da cultura pop, produtos e mercadorias americanos, e da cultura erudita de tradição ocidental. Também foi claramente influenciado pela ficção científica. Em quase todos os seus romances existe uma deriva para impossibilidades lógicas explícitas e o aparecimento de objectos oníricos, de que por vezes não se percebe muito bem qual a sua função. É precisamente o percurso, a partir de uma realidade banal, com personagens banais, normalmente jovens, para situações surpreendentes, absolutamente impossíveis, mas tornadas quase credíveis devido à “facilidade” do encadeamento de situações, que parece ter feito a fortuna e grande popularidade de Murakami. Como em todos os fenómenos de massas bem típicos do Japão, a juventude compra-o aos milhões. O fenómeno estendeu-se à Coreia e parece já existir uma legião de imitadores. Porquê tanta popularidade entre a juventude? Deixemos isso para os sociólogos. Alguns críticos apontam-no como o grande escritor do futuro. O romancista americano Jay McInerney não faz a coisa por menos e declara que Murakami captura "the common ache of the contemporary head and heart."
Alguns críticos consideram o volumoso "The Wind-Up Bird Chronicle" o seu melhor livro. Não li.
Dos livros que li:

“A Wild Sheep Chase”. Como o título indica o romance centra-se numa caça a um carneiro selvagem na ilha de Hokaido, num percurso com característica iniciáticas e de auto-descoberta, com características de romance de aprendizagem. O narrador é ameaçado por uma organização de extrema-direita. O carneiro, uma espécie única e marcado por uma estrela no dorso é crucial para a apropriação do poder absoluto. Ou, pelo menos assim parece, porque, o fim é insatisfatório e as diversas chaves de leitura não constroem uma estrutura temática explicativa. Para muitos leitores é a sua melhor obra. Como noutras obras de Murakami às objecções de falta de explicações credíveis, ou pelo menos coerentes, os “fãs” afirmam que o que conta nos seus livros é o percurso e o prazer da leitura desse percurso.

“La Fin des Temps” (não existe tradução em Inglês). O livro parte de uma ideia conceptual interessante: a existência de dois narradores que com percursos diferentes se conjugam num só, no final. O número de “irrealidades” é elevado no livro: uma cidade povoada de licornes, que encerram nos seus crânios os “sonhos antigos” dos habitantes e que está protegida por uma muralha quase intransponível, secretamente ligada ao nosso mundo via pensamento; super empresas de informática com programas apocalípticos; um velho sábio solitário que pesquisa alterações estruturais do cérebro, num universo subterrâneo que se descobre comunicar com Tokyo; junções de circuitos eléctricos tipo FC, etc. As leituras possíveis são muitas e trazem algum encanto ao livro. O prefácio da edição francesa é vibrante de entusiasmo. Para mim são demasiadas páginas (500) para tanta confusão.



“Après le Tremblement de Terre”. Já por mim referido no meu post de 1-12-2004. É o melhor livro que li de Murakami. O autor despe-se da ganga ilusionista e aplica com rigor os ensinamentos da literatura americana. O sismo de Kobe de 1995 é o acontecimento que subtilmente faz vibrar os personagens das seis novelas que compõem o livro. Magnífico.

O “Sputnik meu Amor” começa mal. Logo nas primeiras páginas temos coisas como esta: “ O seu belo e varonil nariz avolumava-se sugestivamente por trás da máscara, fazendo corar os pacientes. E (apesar de o seguro de saúde não cobrir os custo...) elas apaixonavam-se por ele num abrir e fechar de olhos.” Logo mais à frente “No fim de contas, a Terra não se dá ao trabalho de girar à volta do Sol apenas para gáudio dos seres humanos.” O mau gosto vai diminuindo e a intriga aumentando de situações não plausíveis. No limite existe uma personagem que desaparece, porque passa para outra dimensão dela própria. Estamos a ver: as pessoas e as suas metades. O número de referências à cultura ocidental erudita consegue enjoar. O livro aproxima-se daquilo que se começa a convencionar de “literatura de aeroporto”.
No “Sputnik meu amor” diz o narrador sobre a personagem principal Sumire: “ Não se pode dizer que ela tivesse alguma vez experimentado a angústia do escritor perante a página em branco. Para dizer a verdade, escrevia ininterruptamente tudo o que lhe vinha à cabeça. O problema era que escrevia demasiado. Nesse caso, dir-me-ão, é óbvio que bastaria que ela se desse ao trabalho de eliminar tudo o que estava a mais, mas a verdade é que as coisas não eram assim tão simples. No que tocava à sua escrita, Sumire mostrava-se incapaz de distinguir entre o que era relevante e o que não o era”. Aí está!

Alberto Costa

1 comment:

Samara L. said...

Se me permite discordar, acho que as lentes européias tendem a distorcer o sutil humor japonês, classificando-o de mau gosto... Murakami foge à vossa lógica eurocêntrica e merece uma leitura mais distanciada.