6.3.10

Terra de Neve - Yasunari Kawabata

A irrealidade que é a matriz do reconhecimento afectivo do principal personagem não é mais do que presença da morte, tal como a neve símbolo da brancura, do despojamento, do nada. A morte está sempre presente nos livros do Kawabata, escondendo-se nos interstícios das atitudes elegantes, dos objectos estetizados à boa maneira japonesa, nas figuras espelhadas. O espelho é o negativo que devolve a irrealidade. Yoko começa no espelho e acaba no fogo. O fogo é também o espelho da neve. Tudo tem o seu contrário e nada é fixo. Tudo isto pode ter muito a ver com o budismo Zen que influenciou muito a cultura do Japão.



Talvez Komako seja a personagem mais real, que se exprime simplesmente vivendo de maneira profunda, na sua espontaneidade vital. No limite o Zen pretende confundir-se com vida diária. A revelação seria deixar-se ir na corrente, mas num estado "revelado", em que a demasiada consciência desse estado o anularia.
Shimamura parece nunca compreender Komako. Shimamura é um diletante, cuja único valor é procurar, mas não sabe encontrar porque o que ele procura é o que tem e não o reconhece.
Talvez a queda final nas estrelas da Via Láctea o "ilumine".

Kawabata é pouco conhecido e traduzido em Portugal. Em nenhum outro a aparente simplicidade se transforma na maior densidade. Grande erudito da cultura japonesa, homem cosmopolita e solitário, escreveu do melhor que houve no sec. XX.
Propostas para tradução:
O Ruído da Montanha
Tristeza e Beleza
Existe uma extraordinária compilação de alguns contos de Kawabata, que escreveu centenas, publicada pela Counterpoint, com o título "First Snow on Fuji". Para quem domine o Inglês, aí está um bom começo...

Alberto Costa

4 comments:

Breve Leonardo said...

[foi o segundo escritor japonês, do coração, precisamente com este Terra de Neve, muito antes da Casa... um dos segredos bem guardados, que devia ser contado a todos os ventos!]

um imenso abraço, Sara

Leonardo B.

Samara L. said...

O Som da Montanha e Beleza e Tristeza também tem excelentes traduções brasileiras, para quem não domina o inglês. Sei que não é exatamente a MESMA coisa para os amigos lusos, mas é uma opção.
E temos muitas outras mais traduções de Kawabata por aqui.
Cordial abraço.

Sara F. Costa said...

Samara, temos que pensar numas colaborações luso-brasileiras de troca de traduções!

Unknown said...

Adorei sua leitura de País das Neves. Ainda hoje o relia. Kawabata tem isso mesmo que vc disse: não temos como captar a densidade de suas obras, dada a aparente simplicidade que ele, com tanta capacidade, coloca nelas. E reli o referido livro pensando mesmo no uso que ele faz, mais de uma vez, da via láctea: o transparente, o diáfano, em contraposição com a realidade (fogo) da qual Shimamura não tem como fugir...
Parabéns!!